Pular para o conteúdo
Imagem referente aos Institutos Federais

Institutos Federais e Soberania Digital: uma disputa de sentidoS na área de TI Da rede federal

Ao fortalecer sua presença nos territórios e sua institucionalidade em rede, os Institutos Federais podem construir soluções digitais com, e para, os territórios — mas para isso, é preciso disputar o sentido da TI nas instituições.


Em um cenário em que os fluxos digitais se concentram sob o controle das grandes corporações, pensar soberania digital significa, antes de tudo, decidir quem define os rumos da tecnologia — e com quais interesses. Essa pergunta não pode ser ignorada pelos Institutos Federais (IFs), especialmente quando o tema é a Tecnologia da Informação (TI) e seu papel no projeto institucional da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.

O projeto dos IFs tem origem em um compromisso radical com a formação dos trabalhadores, a partir dos interesses dos trabalhadores, e não somente das empresas. Em sua materialidade, o “Instituto Federal concreto” está povoado por estudantes e educadores, ancorado nos territórios e envolto nos desafios de acesso, permanência e transformação da realidade social. É ali, e não em estruturas burocráticas distantes, que a educação, a pesquisa e a extensão acontecem.

Contudo, há uma disputa simbólica e política sobre o que é — e para quem serve — um Instituto Federal. De um lado, a realidade concreta dos campi, com seu chão de escola, seus limites orçamentários, seus vínculos com os arranjos produtivos, sociais e culturais locais. De outro, a racionalidade da gestão centralizada, que sustenta a figura de um “IF idealizado”, muitas vezes voltado à produção de indicadores, à homogeneização institucional e à reprodução de um modelo de controle verticalizado — inclusive sobre a TI.

É nesse ponto que a reflexão sobre a soberania digital nos IFs se torna urgente.


A disputa pelo sentido da TI

Nas últimas décadas, a TI nos IFs foi progressivamente absorvida por lógicas de centralização, onde a Reitoria concentra o protagonismo sobre decisões técnicas, políticas e estratégicas. Essa centralização frequentemente marginaliza os campi, reduzindo suas equipes a meras operadoras de infraestrutura básica.

O resultado é um deslocamento do potencial formativo e emancipador da tecnologia para o plano da burocracia. Ao invés de apoiar a criação de soluções contextualizadas, integradas ao cotidiano pedagógico e aos projetos de extensão, a TI vira um departamento instrumentalizado à eficiência gerencial, descolada das realidades sociais dos territórios.

Mas os Institutos Federais são, por natureza, instituições territorializadas e em rede, e é a partir desse desenho que podem se tornar protagonistas de um novo projeto de soberania digital popular.


Soluções digitais Territorializadas como política pública

Em cada campus há comunidades com demandas concretas. Há estudantes que vivenciam desigualdades digitais. Há professores e técnicos com saberes e vínculos com a realidade local. Há experiências acumuladas em projetos de software livre, em parcerias com movimentos sociais, em cursos que se articulam com os arranjos regionais. Há vida pedagógica pulsante.

A pergunta é: por que as soluções digitais produzidas nesses espaços não são reconhecidas como estratégicas para a Rede?

A resposta passa por romper com a lógica de que a tecnologia deve ser uniforme, homogênea e gerida por um único centro. Ao contrário, precisamos defender uma institucionalidade que reconheça a tecnodiversidade como princípio: cada território tem suas racionalidades, e cada campus tem o direito de produzir tecnologia a partir delas.

Ao fazer isso, os IFs não apenas fortalecem sua missão legal — promover ensino, pesquisa e extensão articulados ao desenvolvimento regional — como também constroem infraestruturas digitais públicas, coletivas e democráticas, que escapam à lógica das plataformas privadas. Ou seja: exercem soberania digital desde os territórios, junto às camadas populares que historicamente foram excluídas das decisões sobre tecnologia.


Para isso, é preciso disputar a TI como projeto político

A TI nos IFs não pode continuar sendo gerida como um recurso técnico-administrativo a ser otimizado. Ela deve ser assumida como dimensão estratégica do projeto político-pedagógico institucional. Isso exige:

  • Descentralização real das equipes de TI e dos processos de decisão;
  • Reconhecimento dos campi como sujeitos produtores de tecnologia;
  • Fomento a parcerias com coletivos, movimentos sociais, universidades, organizações comunitárias;
  • Criação de repositórios, plataformas e sistemas públicos, interoperáveis, acessíveis e abertos, com governança local.

Em tempos de vigilância algorítmica, plataformização da educação e colonialismo digital, os Institutos Federais são espaços públicos que pertencem ao povo, com a tarefa histórica de formar os trabalhadores com base nos seus interesses de classe — inclusive no que diz respeito ao domínio da produção tecnológica.

A disputa pela soberania digital começa aqui: no chão da escola pública, nos laboratórios, nos coletivos de extensão, nas soluções de software livre criadas por professores, técnicos e estudantes que recusam a colonização digital e escolhem construir alternativas desde os territórios.

Referências

  • ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.
  • FERREIRA, Tiago. Trabalho educativo em plataformas: a atuação de criadores de conteúdo em TI nas mídias sociais e as possibilidades de aproximação com a RFEPCT à luz da Pedagogia Histórico-Crítica. Dissertação (Mestrado Profissional), ProfEPT – IFSC, 2025.
  • HUI, Yuk. Tecnodiversidade. Ubu Editora, 2020.
  • PACHECO, Eliezer. Perspectivas da educação profissional técnica de nível médio. Brasília: Moderna, 2012. Disponível em: https://www.fundacaosantillana.org.br/wp-content/uploads/2020/07/PerspectivasEducaoProfissional.pdf. Acesso em: 9 dez. 2023.
  • SETO, Fábio. Tecnologia da Informação e Imaginários no Sul Global. Tese (Doutorado em Ciência da Informação), IBICT/UFRJ, 2024.

Por Tiago Juliano Ferreira
Profissional de TI, pesquisador e trabalhador da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT)

Mastodon: @tiagojferreira

Imagem destacada: Ricardo Stuckert / PR