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Ilustração sobre como licenças de software viram dólares para as bigtechs

A vida de quem defende a Soberania Digital não é um morango (tão pouco uma cereja)

Fonte: canal do  Convergência Digital.

Cerejinha” é o adjetivo que a direção da Central de Compras Públicas do governo federal usou na entrevista para o portal Convergência Digital, para enfatizar a exigência por inclusão de inteligência artificial na compra bilionária de licenças de software de escritório, estranhamente direcionada e limitadas às empresas norte-americanas Microsoft e Google.

  • Quem efetivamente se beneficiaria pela “cerejinha no bolo das IA’s estrangeiras”? Isso é de fato prioridade para o serviço público federal ou mero modismo?

  • Parte do montante gasto com licenças de software não poderia ser investida na melhoria de software públicos como SEI, integrando processos e diminuindo a dependência por suítes de escritório?

  • Por que só Microsoft e Alphabet podem concorrer? E quanto às outras suítes de escritório, inclusive as de código aberto como Nextcloud, LibreOffice e OnlyOffice?

  • Não é momento de frear a dependência tecnológica, considerando as questões geopolítica envolvendo as bigtechs?

Enquanto isso, a Organização das Nações Unidas – ONU anuncia o abandono do Google Workplace em troca da solução livre e focada em privacidade chamada Cryptpad, além de endossar outras organizações comprometidas com princípios de código aberto, incluindo a brasileira RocketChat1 que é sucesso global entre os governos que buscam soluções seguras e soberanas de mensagem instantânea.

E o Software Público?

Recentemente o movimento do software livre, em articulação com desenvolvedores e empresas mantenedoras fizeram um evento em comemoração aos 20 anos do programa brasileiro de Software Público, Iniciativa que teve protagonismo do governo federal até 2012 e que serviu de modelo para outros países, inclusive da Europa. O evento demonstrou que o impacto do programa sabotado pelo lobby das grandes empresas vendedoras de licenças de software ainda é bastante relevante, principalmente no âmbitos dos governos municipais.

Uma busca rápida no Painel de Preços governamentais, incluindo aquisições de serviços de nuvem e licenças, mostra uma previsão de gastos num montante superior a R$ 3,3 bilhões somente nos últimos 2 anos, nas esferas federal, estadual e municipal. 

Captura do Painel de Preçoscom gastos em licenças e serviços de software
Gastos em licenças e serviços de software em dois anos. Fonte: Painel de Preços.

Essa cereja ainda é posta sobre um bolo de dependência tecnológica que começa nas camadas de infraestruturas e que se aprofunda quando, contraditoriamente, o mesmo Ministério da Fazenda que defende cortes de gastos e impõe o congelamento do orçamento das universidade e institutos federais, vai ao encontro das bigtechs para oferecer um pacote de bondades às custas de dinheiro público.

Aplicativos com IA rodam em datacenters

Sabendo que existem fábricas nacionais especializadas em construção de datacenters, considerando o custo médio por rack nesse tipo de equipamento, podemos pensar que com parte desses gastos bilionários seria possível restaurar as infraestruturas computacionais precarizadas das Universidades e Institutos Federais, criando redes verdadeiramente soberanas. Ou alguém acredita que é possível ter soberania com dinheiro e conhecimento dos outros?

Mesmo o mercado global de datacenter hoje debate descentralização das infraestruturas com vantagens comparativas para a chamada computação de borda, tratando os edge datacenters como aliados na transição energética e mesmo como forma de “contribuir para a confiabilidade da infraestrutura elétrica”, se essa outra matéria do portal Convergência Digital estiver na direção correta.

Edge datacenters são aliados na transição energética e mesmo como forma de “contribuir para a confiabilidade da infraestrutura elétrica”.  (Luis Cuevas/Schneider Electric)

Investir em tecnologias nacionais ou em parcerias com comunidades de software livre estimula o desenvolvimento tecnológico interno, gera empregos e fortalece a indústria local. Além disso, promove a capacitação de profissionais brasileiros e a criação de soluções alinhadas às realidades e necessidades do país. O Portal do Software Público já provou ser possível articular governo, empresas, academia, movimentos sociais no objetivo de criar tecnologia no e para território nacional, considerando nossas especificidades. Essas criações estão aí, até hoje, servindo às entidades e prefeituras.

É fundamental que o governo reavalie suas estratégias de aquisição de tecnologia, superando imediatismo e considere os impactos a longo prazo na soberania, segurança e desenvolvimento nacional. A priorização de soluções em código aberto representa um passo importante rumo à independência tecnológica e à gestão mais inteligente, democrática e responsável dos recursos públicos aplicados em tecnologias digitais.

Não teremos Soberania acoplando ainda mais os processos públicos, às soluções das bigtechs!

1 Criada em Porto Alegre, sob influência do Fórum Internacional do Software Livre – FISL, tornou-se uma das principais concorrentes mundiais da norte-americana Slack. Site: https://pt-br.rocket.chat/

 

Fontes:

https://unite.un.org/news/sixteen-organizations-endorse-un-open-source-principles

https://paineldeprecos.planejamento.gov.br/analise-servicos

https://paineldeprecos.planejamento.gov.br/analise-servicos

https://paineldeprecos.planejamento.gov.br/analise-servicos

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