A recente declaração de Mark Zuckerberg, CEO da Meta, escancara o problema estrutural da governança digital contemporânea. Sob o pretexto de “restaurar a liberdade de expressão”, Zuckerberg anunciou um desmonte nas políticas de moderação de conteúdo do Facebook, Instagram e Threads, priorizando apenas violações consideradas “graves”, como terrorismo e exploração infantil, enquanto abandona a luta contra desinformação, discurso de ódio e outros conteúdos prejudiciais. Esse movimento é mais um passo para consolidar o monopólio de corporações privadas no controle do território digital — uma verdadeira colonização digital.
Colonização digital e a dependência brasileira
No Brasil, a dependência de plataformas comerciais estrangeiras revela como a lógica colonizadora dessas corporações impacta o cotidiano. Políticas como o zero rating, que garantem acesso gratuito apenas a plataformas privadas como WhatsApp e Facebook, consolidaram a concentração de poder dessas big techs. Enquanto isso, o país carece de alternativas públicas e sem fins lucrativos para serviços básicos como e-mail, mensagens instantâneas, armazenamento de dados ou mapas, perpetuando a subordinação tecnológica e limitando tanto a soberania digital quanto a autonomia da sociedade.
Regulamentar é necessário, mas não basta
É evidente que regular essas plataformas é essencial, mas, como argumenta Evgeny Morozov, isso não será suficiente. Não podemos apenas reagir aos abusos dessas corporações; precisamos corrigir o rumo. A verdadeira transformação exige que o processo de plataformização da democracia e das civilizações seja repensado com base em um letramento digital orientado a dados e saberes, embasados em propósitos coletivos e inclusivos, evitando a repetição de padrões imperialistas e neoliberais.
Sergio Amadeu também é reconhecido pela defesa de que a inovação tecnológica deve ser guiada por infraestruturas públicas digitais e por uma inventividade que transcenda os interesses imediatistas das big techs. Esse ponto dialoga diretamente com a perspectiva de Nêgo Bispo, para quem o futuro não está em criar novas tecnologias, mas em corrigir os caminhos e propósitos das que já temos. Trata-se de resgatar os saberes ancestrais e aplicá-los às tecnologias digitais, reorientando-as para o cuidado com a coletividade e a preservação da vida.
Regeneração do Ecossistema Digital
A colonização digital pode ser superada, mas somente se adotarmos um modelo baseado na circularidade, como propõe Nêgo Bispo. A circularidade é a lógica de um sistema que reconhece a interdependência entre todos os elementos e promove um equilíbrio dinâmico, regenerando o que foi exaurido e cuidando para que os fluxos — de saberes, de recursos e de tecnologias — sejam redistribuídos de forma justa.
Essa lógica é fundamental para regenerar o ecossistema digital, substituindo a lógica rapina cognitiva das big techs, por redes construídas em harmonia com os territórios e as necessidades das comunidades. A internet, em sua concepção original, foi pensada para ser descentralizada, e recuperar esse modelo significa investir em redes federadas e Plataformas do Comum, que respeitem a diversidade, a soberania e os saberes ancestrais.
Convidamos todas e todos a se unirem à Rede pela Soberania Digital, plantada na terra preta da Plantaformas.org, para construir alternativas concretas que coloquem a circularidade e a regeneração no centro da transformação tecnológica. Somente organizados em rede, de forma colaborativa e comprometida com a vida e os territórios, poderemos reimaginar o espaço digital como um ecossistema vivo, sustentável e alinhado às nossas cosmovisões ancestrais.
O futuro digital não pode ser um espelho do passado colonial. Ele deve ser construído com bases circulares inspiradas na ancestralidade das cosmovisões afro-pindorâmicas, respeitando os ciclos da vida e os saberes que sempre buscaram o equilíbrio entre tecnologia e cuidado.
Uirá Porã e Jader Gama
Movimento FeliciLab & Movimento Cosmotécnicas Amazônicas